Cabotto e o Porto do Contrato

Empresário une duas paixões e resgata a história da Ilha.

Os portugueses descobriram o Brasil, fundaram a Capital do Estado, mas quem deu nome a Ilha de Santa Catarina foi um navegador espanhol. 

Na escola, ensinam que Floriano Peixoto denominou Florianópolis. E a Ilha? Na falta de informação na sala de aula, você provavelmente desconheça que um marinheiro a serviço da Coroa Espanhola foi quem deu o nome de Ilha de Santa Catarina ao nosso “pedacinho de terra perdido no mar”, – como bem definiu o poeta Zininho.             

Se ”jamais a natureza reuniu tanta beleza”, foi Sebastian Cabotto quem designou a ilha, de Santa Catarina. Em sua passagem a serviço da Coroa Espanhola, em 1526, Caboto se estabeleceu nas águas onde hoje é a Tapera. Duzentos anos mais tarde, no lado oposto, no Ribeirão, o ponto de comércio se tornaria oficialmente o primeiro porto de Florianópolis: o Porto do Contrato, em 1740. 

Culinária e Ribeirão

Preocupado com o resgate da história, o manezinho Francisco da Silveira uniu duas paixões: a culinária e o Ribeirão da Ilha. Seu Chico montou o restaurante Porto do Contrato, no local onde até a década de 1940 ainda era possível presenciar o comércio no cais.

“A ideia (do restaurante) é dar visibilidade à memória do Porto do Contrato, possibilitando uma nova leitura do estabelecimento, que, desde a estada de Sebastian Cabotto, em 1526, foi responsável pela transformação econômica do Ribeirão da Ilha”, explica o empresário.

O projeto surgiu no ano de 2000, quando Francisco Silveira e o irmão comandavam uma empresa de terraplanagem. A economia nacional passava por período de turbulência, e a família decidiu mudar de ramo. Optaram pelo turismo no Ribeirão, região em franco desenvolvimento. Venderam os equipamentos e decidiram investir no ramo da gastronomia. Começaram a procurar onde iriam se estabelecer. E encontraram o local ideal. 

História fascinante

“Como conhecia a história do Ribeirão, sabia que aqui funcionou o Porto do Contrato. Havia uma história fascinante. E, estava evidente, não podíamos deixar de colocar esse nome”, recorda.  

Na construção do prédio, seu Chico pensou nos detalhes da época. Sugeriu ao arquiteto um projeto específico: “Uma releitura do Porto, com pilares de pedra. Porque já não existia mais nada. A casa ao lado era depósito de sal, um comércio junto ao cais”. 

Sob nova direção

A peça-chave foi encontrada, e Francisco da Silveira pôde passar o bastão confiante. Depois de estabelecer regras em defesa de seu projeto, enfim selecionou o novo proprietário do estabelecimento, Sérgio da Silva: “Ele foi selecionado por ser manezinho, sua esposa tem ligação com o Ribeirão. O casal tem o espírito de levar adiante o nome Porto do Contrato, o comprometimento com a história, valorizando nossa cultura.” 

E acrescenta: “A intenção sempre foi dar continuidade ao projeto, com respeito e orgulho ao resgate da história do Porto do Contrato.”

Por sua vez, Sérgio, o novo proprietário está confiante no futuro do empreendimento. E no patrimônio gastronômico e cultural. 

“Muito nos honra dar continuidade ao projeto que Francisco e sua família construíram no Ribeirão da Ilha. Eu e minha esposa buscamos um estabelecimento aqui por nossas origens em Florianópolis. A Naline morou muitos anos no Ribeirão. Nosso foco é dar continuidade ao trabalho que o Francisco criou, e que deixou sua marca no Ribeirão da Ilha.”

Registro para a história

Estabelecer a empresa como Sebastian Cabotto, e o nome do restaurante de Porto do Contrato, foi mais uma forma que o empresário encontrou para homenagear o navegador, nascido em Veneza, e manter viva a história.   “Esse nome é mais recente, para preservar a memória. Não havia nenhum registro de Sebastian Cabotto, personagem tão importante para o Brasil”, enfatiza. “Fui lá e cadastrei a empresa para deixar o nome na história.”

Navegador dá nome a Fragata

Após a iniciativa, o Governo Brasileiro lembrou de Cabotto. Recentemente a Marinha batizou uma fragata com o nome do navegador.

De acordo com Francisco da Silveira, nem a Escola local registra a história. “Fiz questão de que meus filhos estudassem aqui no Ribeirão. E eles não aprenderam nada sobre Sebastian Cabotto, sobre o Porto do Contrato, que, inclusive, dá nome  a esta praia”

E foi a partir da instalação do restaurante que a história ganhou voz: “Quando coloquei o nome, muitas pessoas aqui do Ribeirão perguntaram o motivo. Jovens do bairro não tinham conhecimento”. 

“O Porto teve mais dois nomes, do Cadete e do Ribeirão”, conclui o empresário.

Cais teve três nomes

O cais do Ribeirão da Ilha teve três nomes desde a estada de Sebastian Caboto, em 1526. Em épocas distintas, se chamou Porto do Contrato, do Cadete ou do Ribeirão. Esteve em atividade até a década de 1940. 

Durante este período, as principais atividades foram as de entreposto de pescado (fresco e salgado), comércio de café, embarque de lenha, e comércio em geral dos produtos da região, como farinha, mandioca, açúcar, cachaça, frutas e hortaliças.

O Porto do Contrato foi conhecido inicialmente como Porto do Ribeirão, devido à localização junto à foz do rio de mesmo nome. Tempos depois, de acordo com o professor, sociológo e historiador Nereu do Valle Pereira, “o cais teria se deslocado cerca de 500 metros para o sul”. 

Comercialização do óleo da baleia

O Porto do Contrato surgiria no Reino Unido de Portugal, quando teve início o comércio da baleia. Era um porto Oficial, com administrador nomeado. “Foi instalado por volta de 1740, duzentos anos depois do Cabotto batizar a ilha com nome de Santa Catarina”, explica Nereu do Valle Pereira.

“Foi definido como porto de recepção de todo o óleo preparado na Armação, que os escravos traziam no ombro. Um local mais abrigado, de comercialização dos contratos de compra e venda do óleo de baleia, de transação de mercadorias”, complementa o professor Nereu do Valle Pereira, PHD em ciências humanas e sociais e pesquisador da colonização açoriana.

Porto do Cadete foi a terceira e última denominação do cais no Ribeirão. Deriva do nome popular do intendente, que teria se suicidado após uma grande decepção familiar. A partir de 1940, quando teve início o desenvolvimento da malha rodoviária na Ilha, o porto começou a perder a sua função e foi desativado.

“Quando montei o restaurante, as casas eram todas voltadas para a estrada. Esqueceram do mar. Porque no início, tudo acontecia com o transporte marítimo. Com as estradas, o porto perdeu espaço. Foi quando encerrou suas atividades, em 1949”, recorda Francisco da Silveira.

Escambo, troca de mercadoria

No início do cais, logo após a passagem de Sebastian Cabotto, as negociações eram realizadas por meio do escambo, a troca da mercadoria. 

“Os negociantes não usavam dinheiro. Traziam vaso de barro, levavam peixe, tudo o que era produzido na lagoa do Peri, nesta região, saía por aqui”, aponta Francisco da Silveira. 

“Também partiam barcos com produtos para a Europa. O café sombreado, muito conhecido aqui no Ribeirão, hoje é um café bastante comercializado na Europa. Era plantado debaixo das bananeiras, debaixo das árvores. Com um sabor fora de série”, completa o empresário. 

Os três molhes, que ainda podem ser vistos na praia, são da época do Porto do Contrato. É uma das marcas do cais, tão importante para a economia da Ilha de Santa Catarina por mais de quatro séculos.

Uma viagem ao século 18

Ribeirão une história, cultura, e arquitetura dos Açores

No Ribeirão da Ilha há tesouros inestimáveis. História, cultura, arquitetura, gastronomia e o clima bucólico, de um lugar onde o tempo, insistente e caprichoso, transcorre à sua maneira. A bicentenária Igreja Matriz, as ruelas estreitas, os casarios antigos, a natureza exuberante. São os mais variados registros da cultura açoriana 

E há um espaço onde todo esse clima conflui e a natureza encontra a história, a gastronomia e a cultura açoriana. No Ecomuseu do Ribeirão da Ilha é possível realizar uma viagem através do tempo. No complexo, onde há uma propriedade rural do final do século 18, há também uma pousada, onde se pode apreciar a culinária da ilha e fazer uma refeição à base de frutos do mar, com destaque para as famosas ostras do Ribeirão.

Representação da colonização açoriana

O Ecomuseu do Ribeirão representa a estrutura da colonização açoriana. É formado pela  propriedade rural, com casa, dois engenhos, um de farinha de mandioca e outro de açúcar, área de plantação e quintal. A casa tem os alicerces datados de 1794, e paredes que passaram por reedificação. 

O Ecomuseu preserva lembranças do tempo em que os primeiros imigrantes portugueses chegaram em Florianópolis, entre 1748 e 1756. A Freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha é uma das localidades que mais guarda características da vila açoriana. 

Itens de 1749 no acervo

O acervo é bastante diversificado. Edificações e arborização com plantas nativas catalogadas e algumas em extinção. São centenas de itens, entre alfaias e coleções, de vários tamanhos, formas e utilidades. Todas relacionadas ao Ribeirão da Ilha, com elos açorianos.

O Engenho de Farinha de Mandioca – tipo Molhe, de Centro ou de Cangalha – segundo velhas escrituras, data de 1893. Dentre as peças de maior importância temática estão uma mó de moinho de mão – a pedra de basalto e lavas vulcânicas da Ilha do Pico Açores desembarcou com o primeiro morador do terreno, José Lino Vieira, em 1749. No acervo também consta o baú de viagem e um oratório trazidos por Vieira.            

Um outro destaque do Ecomuseu é um presépio artesanal, de 1813, do açoriano Thomaz Francisco da Costa, dono da primeira grande fazenda no Ribeirão da Ilha. De acordo com Nereu do Valle Pereira, o presépio foi montado com a participação da escrava chamada Mãe Negra, que teria introduzido figuras do Candomblé com as do catolicismo. “Lá estão Nossa Senhora, São José, Menino Jesus, ao lado das mães de Santo, filha de Santo, o cavaleiro São Jorge, o Pai Negro. Algumas figuras e divindades do Candomblé misturadas com o presépio.”

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