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Hercílio Luz um Homem Luminoso

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Ponte, avenida, palacete e aeroporto reforçam legado de Hercílio Luz

Em 20 de outubro de 1924, Santa Catarina perdeu um de seus mais expressivos políticos. Vencido por um câncer, Hercílio Pedro da Luz – ou simplesmente Hercílio Luz – morreu na mesma cidade em que nasceu, antes Desterro, e que por meio de lei por ele próprio aprovada, passou a ser Florianópolis.

TEXTO: LU ZUÊ
FOTOS: MARIANA BORO
FOTOS: LILIAN MENDONÇA
FOTOS: CARLOS BORTOLOTTI
FOTOS: MARCO CEZAR

Reconhecido pelo espírito empreendedor, pelos projetos ousados e pelas inúmeras obras e realizações, Hercílio Luz foi presidente do Estado (como eram conhecidos os governadores até 1930) por três mandatos (1894-1898, 1918-1922 e 1922-1924), e em cada um deles foi muito além de simplesmente ocupar um cargo: incentivou o povoamento do Estado, promoveu várias intervenções no sistema viário, investiu na melhoria dos portos, adotou cuidados extras em relação à educação, à pecuária e à agricultura, trabalhou muito para melhorar o transporte marítimo e fluvial e graças a seus esforços foi instalada a linha telegráfica entre Joinville e São Bento, em 1826.

Engenheiro por formação e visionário na sua essência, o filho de Joaquina Ananias Neves da Luz e Jacinto José da Luz trabalhou muito para promover o desenvolvimento do Estado. 

Por tudo isso, há monumentos em sua homenagem e empresta seu nome a empreendimentos, ruas e avenidas, ginásios, estádios e até times de futebol espalhados por todas as regiões de Santa Catarina. Especificamente na Capital, Hercílio Luz é nome, por exemplo, do Aeroporto Internacional, da primeira ponte que fez a ligação entre a Ilha e o Continente, de uma avenida com traçado sinuoso, e denomina, também, a última e imponente casa onde o governador viveu até seus últimos dias.

Fato é que todos esses lugares passaram por maus bocados, ou ficaram ultrapassados nos últimos anos, e justamente em 2019, quando se completa 95 anos da morte de Hercílio Luz, todos fecham o ano transformados, reformados ou revitalizados, corrigindo situações que mais do que deixar monumentos no esquecimento, constituem-se como faltas de consideração e respeito à história do Estado. O ano parece ser dele, e Hercílio Luz deve, sim, estar satisfeito!

Um ponto estratégico para acompanhar a construção da ponte

Durante quase 20 anos ele esteve abandonado, sucumbindo, aos poucos, aos efeitos da passagem do tempo e da falta de cuidado. Última residência do ex-governador, o casarão localizado na região central de Florianópolis, a cerca de 500 metros da avenida Beira Mar Norte, foi recebido em doação pelo político em 1895, e na ocasião contava com apenas um andar. Engenheiro, Hercílio Luz comandou a construção de um segundo pavimento com dois cômodos e um terraço, que lhe permitia acompanhar, à distância, a construção da ponte, mais tarde batizada com seu nome.

Tombada como Patrimônio Histórico pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC) em 2002, a casa estava em estado deplorável, quando a Incorporadora Milano deu início ao processo de restauro: árvores cresciam dentro da casa, cupins comprometeram o madeiramento da estrutura e de portas e janelas, e o reboco das paredes se soltava com a simples vibração dos passos dentro dela.

Coordenado pela arquiteta Eduarda Tonietto, o projeto de restauro demandou recursos de R$ 5 milhões e três anos de dedicação de uma equipe de 30 profissionais altamente especializados e dedicados, comprometidos em promover o resgate dos detalhes que adornam o palacete, marcante pelos elementos art nouveau e art déco. O projeto foi assinado pela arquiteta Lílian Mendonça, executado pelo engenheiro Ângelo Buratto e supervisionado pela FCC.

Responsável pela criação e desenvolvimento do conceito do empreendimento Cidade Milano (no qual a Casa Hercílio Luz está inserida), Eduarda conta que o antigo casarão foi transformado num espaço de eventos, com destaque para a valorização dos artistas locais. “Trouxemos o moderno para compor com o antigo, resgatando uma parte da história e, ao mesmo tempo, criando um conceito inédito para a cidade, que resgata a vida em comunidade. E a casa englobada no projeto foi uma proposta muito diferente”, comenta.

Eduarda já havia morado em Florianópolis (onde concluiu o ensino médio), mas depois de passagens pela Europa, fixou residência em Curitiba até 2015, quando voltou à capital catarinense para assumir a direção de produtos da Milano Incorporadora. A empresa é presidida pelo pai de Eduarda, Paulo Tonietto, empresário do ramo esportivo e também fascinado por arquitetura. “Meu pai confia muito no meu trabalho, e sinto que ao longo desses três anos fui amadurecendo como profissional, e o mesmo aconteceu com boa parte da equipe. Muitos engenheiros, por exemplo, nunca tinham feito nada parecido antes”, explica.

Apresentada ao público em setembro, durante a abertura da CasaCor Florianópolis 2019 (ambientada no Cidade Milano), em um segundo momento a Casa Hercílio Luz estará disponível para visitação gratuita mediante agendamento prévio e servirá para abrigar eventos. “A casa tem um apelo único, com uma localização singular”, conclui Eduarda Tonietto.

O charme de um traçado diferenciado

Inicialmente chamada de Avenida do Saneamento, a Avenida Hercílio Luz ‘serpenteia’ pela região do centro antigo da Capital, ligando as avenidas Mauro Ramos e Gustavo Richard. O traçado diferenciado, que segue o caminho percorrido pelo Rio da Bulha, desde sempre foi uma característica marcante, e com o passar do tempo as mudanças implementadas na Avenida conferiram ainda mais charme à via, que é velha conhecida dos florianopolitanos. Qual manezinho não sabe onde fica o Paredão do Ceisa, o cachorro quente do Afonso ou o Clube 12 de Agosto? 

O interessante é que a história da Avenida passou por ciclos, alternando momentos de infortúnio e de glória, ora sendo a queridinha, ora a desprezada, e para entender isso basta conhecer um pouco da história.

No século XIX, o Rio da Bulha era um córrego que recebia esgotos diretamente das casas, e a região era ocupada pela camada mais pobre da população. A canalização do rio era uma obra de grande porte – e cara -, e por isso foi sendo postergada ano após ano. Foi a partir de 1920, no governo de Hercílio Luz, que a realidade começou a mudar, com as obras de ordenamento urbano e a construção do canal.  

A Avenida do Saneamento não apenas reuniu canalizações de drenagem e as conduziu até o mar, mas também provocou grande modificação no traçado da cidade, valorizando as margens do Rio e firmando a região como uma das regiões preferidas pela classe média. Tudo ficou muito melhor, mas o canal a céu aberto deixava à mostra a água dos córregos, exalava mau cheiro e havia constantes alagamentos, situação que persistiu até que o canal foi totalmente coberto, a partir de 2009.

Em 2019, os trabalhos de revitalização da Avenida – que integram um projeto de transformação do Centro de Florianópolis – fizeram da Hercílio Luz um destino agradável, que caiu no gosto de artistas, pessoas descoladas e turistas. A administração municipal investiu na recuperação de bancos, acrescentou outros novos de concreto e mesas de jogos, substituiu piso tátil, recuperou o gradil e repintou aproximadamente três quilômetros de ciclovia. A Hercílio Luz nunca esteve tão charmosa quanto agora. 

A população realmente se apoderou do espaço, que ganhou vida tanto de dia quanto à noite, quando os bares ocupam o canteiro central com mesas, cadeiras e muita luz.

A Hercílio Luz ferve!

Uma obra de engenharia com coração

Apesar de todas as realizações das administrações de Hercílio Luz, ele ficou mesmo marcado por uma obra, que é considerada o cartão postal de Florianópolis: a ponte pênsil que mandou construir e não chegou a ver pronta. Em 1924, doze dias antes de morrer, ele inaugurou uma réplica de madeira, especialmente construída na Praça XV de Novembro. A ponte só foi entregue à população quase dois anos depois, em 13 de maio de 1926.

A decisão do então governador pela construção foi como uma resposta a um movimento para mudar a capital para Lages, uma vez que a Ilha era considerada muito distante e isolada para ser o centro administrativo e político do estado. Com a ponte, que deveria ser chamada Ponte da Independência, criou-se a primeira ligação terrestre entre Ilha e Continente, Florianópolis consolidou-se como a Capital e os 40 mil habitantes da cidade passaram a ter uma opção a mais de travessia, que até então dependia unicamente de balsas.

David Steinman, engenheiro norte-americano, foi o responsável pela obra, e todo o material foi importado dos Estados Unidos, demandando a contratação de um empréstimo que correspondia, à época, a dois orçamentos anuais do Estado. Só em 1978, mais de 50 anos depois, portanto, a dívida foi quitada. 

Em janeiro de 1982, após relatório de inspeção realizada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), a ponte foi interditada pela primeira vez, sendo que seis anos depois foi liberada para tráfego de pedestres, bicicletas, motocicletas e veículos de tração animal. Em julho de 1191, nova interdição total.

Entre idas e vindas, reformas, interrupções de trabalhos, prazos perdidos e contestações relacionadas a recursos e projetos, lá se vão 28 anos com permissão apenas para admirar, à distância, o mais famoso monumento de engenharia catarinense, que ocupa um lugar especial no coração dos florianopolitanos. 

Agora, a novela chega ao fim. Em agosto deste ano, a estrutura voltou a ser sustentada inteiramente pelas barras de olhal e cabos pendurais, conforme o projeto original. E em outubro, teve início a colocação do piso da pista do vão central e a conclusão das passarelas de ciclistas e pedestres.

A data marcada para a “devolução” da Ponte Hercílio Luz aos catarinenses é 30 de dezembro, quando a “velha senhora”, totalmente recuperada, volta a cumprir a missão idealizada por Hercílio Luz, e promover a ligação entre a Ilha e o Continente. 

De Floripa para o mundo e do mundo para Floripa

A história do Aeroporto Hercílio Luz começou há quase 100 anos, em 1922, quando Florianópolis passou a abrigar as instalações do Sistema de Defesa Aérea do litoral do Brasil. Só 33 anos depois, o Ministério da Aeronáutica inaugurou um acanhado terminal de passageiros com 500 m², que contava com uma torre de controle, um pátio para aeronaves e uma pista compartilhada com a Base Aérea.

Em 1974 a Infraero recebeu a jurisdição do aeroporto, e dois anos depois, em 1976, inaugurou um novo terminal, com quase três mil m². De lá para cá, a cidade cresceu – e muito -, e apesar das reformas e ampliações pelas quais passou, o velho Hercílio Luz já operava no limite, recebendo cerca de quatro milhões de embarques e desembarques por ano. Em nada o Aeroporto combinava com a posição de Florianópolis, apontada como um dos principais destinos turísticos do Brasil. 

Concedido à iniciativa privada a partir de um leilão realizado em março de 2017, o Aeroporto Hercílio Luz (elevado à categoria Internacional em 1995), passou a ser administrado pela concessionária Zurich International Airport AG, que em Florianópolis passou a se chamar Floripa Airport. A concessão é de 30 anos de uso, e a administração foi totalmente assumida pela concessionária em janeiro de 2018, que na época anunciou investimentos de R$ 500 milhões na construção do novo terminal e agendou a entrega da estrutura para outubro de 2019, prazo cumprido com pontualidade: inaugurado em 28 de setembro deste ano, o novo terminal passou a operar regularmente em 1º de outubro.

A moderna estrutura – com detalhes arquitetônicos que segundo a concessionário remetem às paisagens de Florianópolis – amplia a capacidade de três para oito milhões de passageiros/ano e conta com um terminal de 49 mil m², com áreas de embarque e desembarque em pisos distintos e recursos de sustentabilidade. A ideia, segundo a administradora, é firmar o local como um local para passeios, e a proposta tem dado certo: desde a inauguração, aos finais de semana o terraço panorâmico – único em aeroportos no Brasil – vem recebendo um grande número de visitantes.

O novo aeroporto, que mantém o nome Hercílio Luz, conta com 10 fingers para conectar passageiros e aeronaves, cinco mil m² de área comercial, incluindo uma praça de alimentação, e 13 portões de embarque (dois deles internacionais).

Agora sim, em 2019 Florianópolis conta com um aeroporto ousado e inovador como Hercílio Luz, e com a cara de Florianópolis.