Doutor Formiga – Multiesportista

Mestre dos esportes de ação, o pioneiro das modalidades radicais no Brasil curte retorno à odontologia e à vida que sonhou, em Floripa

TEXTO OLAVO MORAES – FOTOS ARQUIVO PESSOAL E MARCO CEZAR

REVISTA MURAL N.75

Formiga, 54 anos, 40 dedicados às modalidades radicais, é pioneiro no conceito múltiplo de boardriders, os esportistas de prancha. Expert nos esportes extremos, busca o surfe em diversos meios – terra, água, e ar. De cabeça feita, Luis Roberto Moraes curte a volta à odontologia. Tem “escritório” na praia do Campeche, quintal de casa, e consultório no bairro Rio Tavares, a 500 metros de onde mora.

Em plena forma, Formiga segue fazendo o que mais gosta. Praticando esportes de prancha, produzindo conteúdo multimídia, e, agora, acrescenta o prazer de exercer a profissão que escolheu na universidade. “Estou trabalhando com odontologia, uma fase muito legal da minha vida profissional. Fiquei muitos anos parado.”

Desde os 9 anos de idade, quando subiu na prancha de surfe pela primeira vez, Formiga segue atrás da ondulação perfeita. “No fundo tudo se amarra com a busca por mais uma onda surfada. No mar, no ar, ou simulando uma, através de manobras de skate, nas pistas verticais. Tudo na pegada surfe”.

Para falar sobre seu momento, a vocação pelos esportes de prancha, as quatro décadas de modalidades extremas e o futuro, Formiga recebeu a reportagem da Revista Mural, em sua casa, numa tarde de verão no Campeche. Regado a suco de acerola, dos pés de frutífera do jardim, a conversa com o doutor dos esportes radicais rendeu um longo papo, cujos principais texto você saboreia a seguir.

Estilo de vida

É um estilo de vida que optei, me dediquei, e construí. É complexo pensar em ter conhecimento de diversas modalidades. Entre elas algumas extremamente perigosas, as quais é preciso levar muito a sério. É normal ter uma atividade, mas, quando você se dedica ao que chamo de multiesportes, em cada uma você tem que despender muito tempo, atenção e estudo. Você se torna bom, a partir de, pelo menos, cinco anos em cada uma das modalidades.

Motivação

Quando você olha para trás e vê que está em atividade com mais de 50 anos, em todas as modalidades, sem exceção, essa é a minha motivação. Não sou ex-praticante de algo. Continuo praticando, como se fosse minha religião. Não vou à igreja, mas vou à pista de skate, atrás de onda grande, vou voar, na terra, na água, no ar, na neve, no mergulho, na caverna, onde for. 

Influência positiva

Tenho a oportunidade de desenvolver projetos, principalmente para a produção de conteúdo multimídia, e isso também me move. É o grande barato, minha motivação de continuar fazendo. De preferência, conseguir influenciar o maior número de pessoas para levantar da cadeira, da frente do sofá, e ir para as atividades outdoor.

Multiplicando conhecimento

Gosto muito de ajudar, ensinar, treinar, participar de projetos com outras pessoas. Justamente para motivar as pessoas a fazerem coisas legais. Porque é muito gostoso correr atrás dos esportes. Dá sensação muito boa, liberação de endorfina. Você se sente bem, dorme bem, come bem. Ama as pessoas, é uma boa, resolve todos os problemas da vida.

REVISTA MURAL N.75

Ambição após 40 anos de superação

Tem algumas atividades que não tenho tanta ambição. Mas, por exemplo, no skate, talvez a modalidade mais difícil para um cara da minha idade (54 anos), me vejo o vovozinho do kung fu. Que dava aula para o gafanhoto, o mestre… Você conseguir manter a performance (depois de tanto tempo). Hoje ando (de skate) melhor do que sempre andei. Isto é muito bacana. Então tenho ambições. No voo de planador também tenho ambições. Agora tem outras classes, outros tipos de aeronaves para voar, que também quero evoluir, aprender.

Expandindo horizontes

E aprender (em novas classes, no voo de planador), baixar a orelha, voltar do zero. Com muita humildade. Conhecer a sensibilidade de uma aeronave moderna, para continuar expandindo horizontes. Os meus horizontes esportivos, principalmente no voo de planador. Também quero pegar ondas grandes. Por exemplo, todo mundo fala agora de Nazaré. Fui o primeiro brasileiro a surfar em Nazaré de town-in. Existem outras ondas. Quero surfar, mas não dá mais para fazer tudo ao mesmo tempo. Na verdade, tenho ambição e objetivo, não apenas em uma atividade. Mas em algumas.

Medo, e possibilidade da morte

Não existe essa história de não ter medo. O medo existe. Sou corajoso. Você tem muitas coisas a favor, equipamentos, conhecimento, estudo, preparação para determinada missão. Faço jogo mental, o que é errado, o que não posso fazer. Não é técnica de suicídio. Vou muito mais para o lado da realização, do que para o lado das coisas que podem dar errado. Saber quais são erros não pode cometer, faz parte da análise fria, inteligente. Só tenho uma característica, me sinto bem. A hora que ficar perigoso, que precisar de reação, sempre me sinto bem, a cabeça funciona. Não tenho a limitação do pânico, de travar, cristalizar. Fico racional. Depois, dá um super prazer. Na hora, não é momento de sorrir, ficar muito feliz. Você está executando uma missão.

Forma física, respiração e apneia

Sou desportista outdoor, surfe e stand up são ótimas formas de se exercitar. O skate é fundamental na preparação. É anaeróbico. Você precisa controlar muito a respiração, porque falta o ar, o ar não enche mais o peito. Trabalho com princípios de yoga, de apneia. Você vai ter tanto CO2 no sangue, que vai ficando com o sangue ácido, a acidose sanguínea. Fiz o primeiro curso de apneia há 15 anos. Organizei junto com o professor, que vive disso, faz curso para surfistas. O primeiro curso dele, organizei para o meu programa, justamente porque queria pegar onda grande e ter entendimento do que é apneia. Como o cara fica seis minutos embaixo d’água, sem respirar. 

Controle da tensão e ansiedade

A respiração é a da yoga. Um conceito, que você usa quando tem medo, na porta de um avião, antes de saltar de paraquedas. Você controla a ansiedade e o medo em reunião de negócios, em qualquer momento que a situação está desfavorável e perigosa. Você controla na respiração. 

Consciência corporal

Tem também a consciência corporal. Tenho 46 boletins de ocorrência ortopédico. Sou todo quebrado, mas vou à academia, meu corpo dói de dia de um lado, de noite dói outros lugares. Não me incomodo com isso. Passo por cima da dor, e vou praticando meus esportes. 

Preparação física

A preparação é um mix de várias coisas, não há receita. Faço um pouco de academia, musculação, alongamento, tenho minha consciência corporal. Hoje de manhã meu treino foi nessa água maravilhosa do mar de hoje (do Campeche), ontem passei o dia arrumando uma pista (de skate) de um amigo, que precisava de uma manutenção. A gente pegou a mão na massa, esperamos secar, depois realizamos manobras incríveis. Tudo está se integrando ao corpo. É uma forma de preparo físico.

Começo no skate

No decorrer dos 40 anos existem picos de momentos importantes. No skate, um momento superimportante foi quando ganhei o primeiro Campeonato Brasileiro de skate, aqui em Florianópolis, no Clube 12. Foi o início da carreira de desportista profissional. Naquele evento obtive sucesso, fui destaque na revista POP (publicação referência da época), comecei a ganhar dinheiro, Ayrton Senna era meu companheiro de equipe, na Gledson/Coca-Cola. Depois fui para a Califórnia. Esse começo foi muito importante. Depois fui para a asa delta, bati recordes sul-americano, era piloto de testes, tive acidentes gravíssimos, quase me matei por seis vezes. Conquistei três recordes sul-americanos de distância. Foi uma fase muito legal. Depois fui para o snowboard, em busca da sensação de surfar em diferentes elementos.

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Primeira onda, baixo e Mobilete

A primeira onda que surfei, com nove anos de idade, foi marcante. Eu era urbano, fui para o skate, do skate para a asa delta, o airsurf, a coisa mais legal que o ser humano pode fazer. Fui aprender, escondido do meu pai. Vendi o baixo, a Mobilete (ciclomotor de sucesso à época). Comprei a pior asa do mercado. Fui voar e vivi profissionalmente durante muito tempo. Meu primeiro consultório (de dentista) comprei com dinheiro da asa delta, patrocínio da odontologia, isso durou muito tempo na minha vida.

Pegada surfe

Depois eu vi o francês (Patrick de Gayardon, considerado o pai do skysurf) saltando de paraquedas em uma prancha. Ai pensei, esse é o surfe mais veloz do mundo. Então, na verdade, trabalho com essa busca incessante de diferentes formas de curtir uma prancha. Sou um boardrider, um esportista de prancha convicto. No fundo tudo se amarra com a busca por mais uma onda surfada, seja no mar, no ar, ou simulando uma onda através de manobras de skate, pistas verticais. Tudo na pegada de estar surfando. 

Escolha de Floripa

Identifiquei aqui (Floripa) como melhor lugar para praticar diversos esportes, e, principalmente, para estar em um lugar onde tem as condições perfeitas. Indústrias, tudo na mão, as pessoas, os melhores profissionais, o clima. Gastava muito na locomoção das produções, estava ficando inviável. Primeiro, desenvolvi o conceito de laboratório de ciências esportivas. Escolhi Floripa porque é um lugar em que estaria longe do eixo Rio–São Paulo. Toda a mídia, durante muitos anos, se concentrou lá, algo bairrista, que me incomodava. Comprei briga para vir para cá. Todo mundo dizia, você vai morar no paraíso e deixar a emissora (ESPN). Aí mostrei que deu certo… 

Bairro, sonho de consumo

Campeche (e Rio Tavares), hoje, é o sonho de consumo para qualquer esportista de prancha no mundo. Principalmente para skatista. Na época dos anos 1970, fui o primeiro brasileiro a competir em campeonato internacional. Em 1979, na Califórnia. O sonho era ir para lá. Agora, garanto, é legal ir para a Califórnia, mas a maioria dos californianos querem vir para cá. Isto foi uma tendência natural.

Cena urbana e sal do mar

A relação entre o surfe e o skate sempre existiu, agora se fortaleceu. O skate virou cena urbana, longe da areia, do sal do mar. Aqui em Florianópolis, a turma do RTMF (Rio Tavares Mother Fucker), com o Leo Kakinho, trouxe de novo o ingrediente sal. Porque havia a pegada de skatista. Esse núcleo, com investimento próprio, e mão na massa, fez acontecer. Coincidentemente, vim para cá sem saber deles (do núcleo). Sem qualquer relação. Não imaginei que fosse voltar a andar de skate. Voltei porque as pistas estão cada vez melhores. Hoje, aqui (Florianópolis), é o melhor lugar do mundo para andar de skate. 

Pistas alucinantes

Foi como se tivesse ido dormir em 1978, quando queria ir para a Califórnia. Trinta anos mais tarde acordei com o sonho realizado. Do lado de casa, pistas alucinantes. Decidi voltar a andar de skate. Estou há quase 10 anos nesse retorno. Eles (núcleo do RTMF) começaram em 1997. É um esporte que dá preparação física, preparação mental, agilidade. 

Roubada do pioneirismo

Ser pioneiro é a maior roubada, você faz tudo da pior forma. É preciso fazer o dobro do trabalho. Difícil ter referências, não só de equipamentos, mas de como realizar manobras. Você se arrisca, se machuca. É preciso desenvolver uma série de coisas. Depois que você pega a receita do bolo pronta, é muito mais fácil. Você copia e acerta.

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Determinação, dor e investimento

Nessa época, no passado, havia dificuldade de captação de imagens. Era caro, ninguém ficava gravando para se assistir. E isso facilita o aprendizado. Era muito difícil, um caminho duro para pioneiro. Exige muita determinação, transpiração, dor, investimento. Hoje o processo todo é muito mais rápido. Em pouco tempo é possível aprender a surfar, andar de skate, e outras modalidades. 

Perto da morte no primeiro salto de skysurf

Na época em que comecei a saltar de prancha – de paraquedismo com a prancha no pé – não havia ninguém fazendo skysurf no Brasil. Não tinha como fazer. Eu saltava sabendo que poderia morrer. No primeiro salto quase morri. Me machuquei. Pousei sem os dois tênis, descalço, o joelho estava uma “bola”. A prancha bateu, vim capotando lá de cima, quase morri. Fiquei um mês e pouco esperando o joelho melhorar. 

Homenagem a Ayrton Senna

Fiz outra prancha. Antes de subir no avião, vi a morte do Ayrton Senna. Dia 1 de maio de 1994, meu primeiro salto bem-sucedido. Achava que era um sinal. O Ayrton era companheiro de equipe. Pensei em não saltar, o cara tinha acabado de morrer. A gente viu na TV. Mas decidi saltar e dedicar o salto para ele. E subi. Sensação de que ia morrer. Amargo na boca. Pensei positivo e fiz um puta salto, estabilizado.

Desafios de desbravador

Não havia equipamento. Usava pranchas super pesadas, perigosas. Tive muita sorte. Se entrasse em situação difícil – como entrei diversas vezes depois, com o equipamento correto – com as pranchas que estava usando não iria conseguir desconectar (a prancha), e poderia morrer. Então, esses são exemplos muito perigosos de pioneirismo. 

Ninguém é super-herói

Minha ideia era quebrar paradigmas sobre ondas grandes. Os caras diziam que, para surfar ondas grandes, tinha que morar no Havaí. Comecei a pegar as maiores ondas do mundo depois de 40 anos de idade. A minha ideia era falar “ninguém é super-herói”. Meu pai me ensinou, você tem dois braços e duas pernas, se eu posso, você pode. E eu fui nessa. E como é que faz? Você se prepara, estuda. Naquela época era o inicio do town-in (pegar onda com apoio do jet ski). Tivemos que experimentar muito. Desenvolver novas técnicas, se reinventar. Arriscar a vida para salvar o parceiro no resgate. 

Facilidade do aprendizado em cursos

No pioneirismo era tudo muito mais difícil. Hoje você paga curso e aprende. Economiza anos de uma fase perigosa, a do iniciante feliz. Chamada de happy beginner. O cara começa e é só sorriso, não está focado. Nesses esportes de ação, essa fase, em que você está iniciando e começa a achar que é bom, é muito perigosa. É preciso foco e concentração em todos os detalhes. 

Professor Formiga

Sempre gostei muito de estudar. E estudei muito os esportes, essa série de mais de 20 esportes diferentes. E, naturalmente, quando você estuda muito, e, através do conceito de comunicação – uma das competências mais importantes que você precisa ter – é natural que você consiga traduzir teu conhecimento, através da didática, para as pessoas tirarem proveito. Me divirto com isso, acho muito legal. É prazeroso você transmitir o teu conhecimento, e ver a pessoa feliz, depois de ter concluído uma nova fase ou mais uma manobra. É oportunidade de trabalhar mais com esses esportes. Uma bruta satisfação. Hoje me preocupo muito mais em transmitir o conhecimento, do que ganhar campeonato. 

REVISTA MURAL N.75

Prazer da odontologia

Estou em fase de pré-produção de projetos de voo. Agora estou trabalhando com odontologia, uma fase muito legal da minha vida profissional. Fiquei muitos anos parado, e, aqui em Florianópolis, é um grande centro da odontologia. Tem muita gente boa, um deles é o professor Luiz Felippe, do Instituto Proffel. Fiz uma série de cursos com ele, de atualização. Aprendi a lidar com novos materiais. Está me dando muito prazer. Mesmo porque viajei muito, o mundo inteiro. A vida muda. Meus caminhos do conteúdo multimídia estavam me levando de volta a São Paulo ou Rio de Janeiro, porque aqui o mercado é diferente. 

Cabeça feita

Estou de cabeça feita, quero voar. Tenho vários projetos relacionados com voo, um diferencial meu, algo tão eclético e difícil. É um super diferencial dentro de vários esportes. Sempre estarei ligado à produção de conteúdo, independente da relação com a odontologia.

Desafio, atualização e competência

Em relação a odontologia, não tem nada mais difícil, desafiador, do que voltar a ser dentista. Onda grande, pego qualquer uma. Já voei nos lugares mais radicais do mundo. Agora, voltar a ser um dentista atualizado e competente, é um desafio. Fiquei quase 20 anos afastado. Hoje sou melhor dentista do que quando parei. E o retorno para a odontologia é, também, porque quero seguir em Floripa. Tenho minha casa, minha família. Tô bem aqui, não quero ficar inventando moda, ter que sair para morar em outro lugar.

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